Você já foi bem longe, baby!

Artigo

     Circula pela internet a cena em que um participante de um programa de rádio manda a colega voltar para a cozinha, por não concordar com sua opinião sobre futebol. Chamou-me a atenção a matéria que levava o seguinte título: Não seja esse cara!

     De futebol, gosto bem pouco. Mas, dia desses, vi uma entrevista do ex-jogador Tinga contando que aprendeu desde cedo o valor do trabalho, vendo a mãe chegar em casa com sacolas depois do trabalho. Ainda criança, percebeu que para ter o que comer era necessário o trabalho de alguém. Por isso, expressões como “vai pra cozinha”, “esquentar a barriga no fogão”, “lavar a louça” são ofensas um tanto esquisitas, já que só tem louça para lavar, quem tem comida para comer. 

     Claro que a intenção desses xingamentos é outra e acaba por revelar, quase como num escorregão, aquilo que é ensinado na nossa sociedade, ainda que de forma velada, no sentido de que mulher pode fazer tudo que for coisa de mulher. 

     No futebol, no trânsito, no casamento, na época do mês, vira e mexe alguém tem uma piada, banal, sem a mínima graça, usada para desqualificar um comportamento ou uma opinião feminina, levando a mulher a pensar que ela não pertence àquele lugar ou que não merece aquele papel. 

     É bem possível que esse tipo de comportamento seja inconsciente, não intencional, uma bobagem, diriam alguns. No entanto, a banalização de comportamentos discriminatórios no ambiente de trabalho reflete o que acontece fora dos muros da empresa, na nossa sociedade. 

      Não é porque uma mulher se tornou presidente da República, ou porque uma outra é CEO de uma multinacional ou uma atriz famosa, que a questão da igualdade de gênero se tornou menos complexa ou um excesso. 

     A opressão de um corpo físico mais forte, a dupla jornada, o assédio sexual e moral, a discriminação salarial não são só indicadores estatísticos, números, mas uma realidade que necessita ser reconhecida, para que se efetive um processo de transformação.

     O feminismo do século passado foi o início de um movimento por igualdade de gênero. A igualdade de ser sujeito de direitos. Ao entrarem nessa sociedade masculina, as mulheres descobriram uma nova luta: a necessidade de reconhecimento de diferenças. 

     O mundo do trabalho que se abriu para esse novo sujeito de direitos, quando permitia que tivessem filhos, esperava que o parto fosse em domingos e feriados. É pela luta do movimento feminista que hoje temos normas de proteção ao trabalho da mulher, salário e licença-maternidade.

     Mas ainda há um longo caminho para a transformação do espaço social em que vivemos, da cultura da sociedade, para incluir as mulheres, com suas especificidades, e não fazer com que elas se adaptem à estrutura de um mundo masculino.
Um bom exemplo de quão perversa pode ser opressão desse modelo é o FUDD (Female Urinary Diversion Device), Freshette ou Lady J, um dispositivo que acoplado ao corpo permitia que as mulheres urinassem em pé durante os treinamentos das Forças Armadas norte-americanas. Isso não é igualdade. É demonstração de poder.

     É necessário mudar o jogo, porque não é um jogo justo para as mulheres. Mulheres e homens são sujeitos de direitos e de deveres e isso implica a responsabilização de todos na transformação desse cenário social. Nenhuma pessoa faz sozinha as regras da vida social, apesar de todas serem responsáveis por perpetuá-las ou reforçá-las.

     Nessa linha, a ONU lançou em 2014, um programa chamado HeforShe (ElesporElas) criado pela ONU Mulheres, a Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres.

     Segundo a Diretoria-Executiva da ONU, o alcance da igualdade de gênero requer uma abordagem inclusiva, que reconheça o papel fundamental de homens e meninos como parceiros dos direitos das mulheres, trazendo para o plano cada vez mais consciente a necessidade de desfazer essas ideias de sobreposição e de dominação masculina.

     E, apesar de opiniões contrárias, depois que eu vi a expressão dos colegas da jornalista ofendida, reafirmei internamente que a participação masculina pelos direitos das mulheres não tira a voz do movimento feminista. Ao contrário, passamos a ter aliados, antes adormecidos.

     A ideia desse movimento é destruir barreiras e criar círculos de debates, tirando os atores sociais de suas posições rígidas, permitindo um diálogo menos dicotômico, e ajudar homens e mulheres a modelarem juntos uma nova sociedade.

     Artistas, nacionais e estrangeiros, cientistas políticos e juristas têm assumido publicamente o compromisso de defesa dos direitos das mulheres e isso os torna modelos para outros homens e meninos, que percebem que se um fato define a sua sociedade, também diz muito sobre você.

     Então, por favor, seja esse cara!

Mônica Fenalti Delgado Pasetto
Procuradora do MPT em Caxias do Sul

Clique aqui para acessar a página da campanha da ONU HeforShe

Tags: Maio

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