Interdições reduzem ritmo de trabalho em frigoríficos

 

Trabalhadores na linha de produção da BRF
Trabalhadores na linha de produção da BRF

     Excessivo ritmo de trabalho exigido por duas plantas gaúchas - JBS e BRF - foi reduzido como consequência direta de força-tarefa estadual de frigoríficos do Ministério Público do Trabalho e do Ministério do Trabalho e Emprego, com apoio do movimeto sindical dos trabalhadores.

     As plantas dos dois maiores frigoríficos do mundo receberam, recentemente, as primeiras interdições ergonômicas na história brasileira. As condições antiergonômicas - que sujeitam o corpo humano a risco de lesão grave por esforços repetitivos, uso de força, posições ou movimentos que forçam ossos, articulações e músculos de forma antinatural - conduzem a adoecimentos crônicos que podem incapacitar o trabalhador para qualquer atividade, inclusive em sua vida pessoal. As empresas acataram as determinações e solucionaram os problemas, removendo as causas das interdições em menos de uma semana.

     As fábricas inspecionadas foram, respectivamente, a JBS Aves Ltda., em Montenegro, e a BRF S. A., em Lajeado, que também abate suínos. Em 19 de fevereiro, a JBS teve interditadas as atividades de movimentação manual de cargas, encaixotamento de produtos e empilhamento, por riscos de lesões musculares e ósseas decorrentes da falta de ergonomia. Por fim, foram paralisadas as atividades de embalagem de frangos inteiros, com utilização de funil, também por risco ergonômico.

     Em 25 de abril, a BRF teve interditadas as atividades de movimentação manual de produtos e cargas, empilhamento e embalagem. Em algumas das atividades interditadas, foi constatada a execução de tarefas repetitivas no ritmo de 90 movimentos por minuto, como no caso da embalagem de frangos inteiros. A medicina e a ergonomia já estabeleceram que um trabalhador pode realizar, sem risco de lesão muscular ou óssea, no máximo, 30 movimentos por minuto. Acima disso, a lesão ocorrerá, com a instalação de doença ocupacional incapacitante. Em outras, havia rotação do corpo ou manutenção em posição dobrada, com pressão excessiva sobre a coluna, como no caso do carregamento, movimentação e armazenamento de produtos e embalagens, inclusive com elevação dos braços a uma posição inadequada, em que o punho ficava superior ao ombro.

Mudanças implantadas rapidamente

     Para adequar-se às normas de ergonomia e, com isso, obter a liberação da atividade de embalagem de frango, a BRF reduziu o ritmo de trabalho de 90 para 27 ações técnicas (movimentos) por minuto, mediante a contratação de mais trabalhadores e introdução de micropausas no processo. Apenas quatro dias após a interdição, a empresa adotou as mudanças indicadas no relatório técnico da interdição (RTI). Mudanças rápidas e simples. Por essa razão, a fiscalização suspendeu a interdição. E limitou a produção diária de frango inteiro, por turno de trabalho, a 207 mil. Era de 230 mil antes da interdição. Para conseguirem a desinterdição, tanto a BRF quanto a JBS resolveram atender medidas indicadas nos RTI e cumpriram exigências da Norma Regulamentadora (NR) 36, reduzindo o ritmo e as ações técnicas, além de contratarem mais trabalhadores.

     Para o procurador-coordenador estadual do Programa do MPT de Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos, Ricardo Garcia (lotado em Caxias do Sul), "as medidas adotadas pelas duas empresas são grande avanço, pois comprovam viabilidade técnica e econômica do estabelecimento de ritmos de trabalhos mais humanos. Essas iniciativas das duas empresas são paradigmas e se baseiam nas melhores práticas empresariais e nos conhecimentos mais recentes da medicina e da ergonomia". Conforme o coordenador estadual do Projeto Frigoríficos, do MTE/RS, auditor-fiscal do Trabalho Mauro Marques Müller, só foi suspensa a interdição na BRF em razão do acatamento das medidas técnicas indicadas. "Não havia outra possibilidade", completou. "Fomos forçados à interdição em razão do sofrimento causado pelo ritmo excessivo de trabalho".

     Conforme o procurador Ricardo Garcia, "as modificações deverão inspirar a melhoria de todo o processo da BRF, que deverá adotar, daqui para frente, o método Ocra e o Nioshy by Ocra, únicos reconhecidos na Europa para análise ergonômica do trabalho repetitivo de membros superiores e para transporte manual de cargas, aprovados pela norma da International Organization for Standardization (Organização Internacional para Padronização) ISO 11.228, de 2003". Para ele, as interdições foram obrigatórias e tiveram por objetivo salvaguardar a saúde e a integridade física dos trabalhadores, ameaçadas pelo ritmo intenso de trabalho. "A saúde e a vida", disse, "são bens constitucionalmente protegidos. Direitos Fundamentais, que não podem ser agredidos sob nenhum pretexto. O que se faz é justamente resguardar essas garantias, visando a proteção social e o restabelecimento da dignidade do cidadão trabalhador e de sua família."

     O método Niosh by Ocra, citado pelo procurador Garcia, foi desenvolvido pela Escola Ocra Internacional - EPM (Itália) em conjunto com Niosh (Estados Unidos), e tem como finalidade a definição das exigências mínimas de saúde e segurança para a movimentação manual de cargas. quando houver um risco, particularmente de lesões lombares, para os trabalhadores. O diretor-médico do Instituto Internacional Saúde no Trabalho (Grupo Insat), de Curitiba-PR, Ruddy Facci, explica que o método estabelece critérios quantitativos e ferramentas técnicas, aprovadas pela comunidade científica internacional. "Na Europa", completa Ruddy, "ele faz parte da legislação de saúde e segurança no trabalho, sendo obrigatória sua aplicação na avaliação de risco para a coluna dorso-lombar nas atividades de movimentação manual de cargas". No Brasil, a ISO 11228-1 – que valida o Niosh by Ocra - está em estudo pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para ser adotada como Norma, da mesma maneira que a ISO 11228-3 (que valida o método Ocra, para esforços repetitivos de membros superiores) passou a ser Norma ABNT 1122803.

Procuradores, auditores e sindicalistas recebem explicações na JBS
Procuradores, auditores e sindicalistas recebem explicações na JBS

Dores constantes

     Pesquisas realizadas pelo MPT nas duas plantas revelaram que mais de 90% dos empregados dos setores interditados sofriam de dores. Os relatórios apontam intenso ritmo de trabalho e trabalhadores doentes. De acordo com o resultado do questionário aplicado pelo MPT em trabalhadores da JBS, para 40% dos entrevistados no setor de embalagem do griller, o ritmo de trabalho na empresa é muito rápido e para 46,66% dos empregados o ritmo é rápido. Somente 13,33% dos entrevistados avaliaram o ritmo de trabalho como médio. Cerca de 73% dos empregados responderam ser necessária a redução do ritmo para assegurar a adequação das condições de trabalho.

     O coordenador nacional e o gerente nacional do Programa de Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos, procuradores do Trabalho Heiler Ivens de Souza Natali e Sandro Eduardo Sardá, responsáveis pela aplicação dos questionários, informaram que, em relação às queixas de dor, o dado é estarrecedor: 93,33% dos empregados relataram terem sentido dor na última semana. As regiões corporais com maior comprometimento foram o ombro, seguido de costas e braços. Outro número alarmante corresponde a 73% dos empregados que relataram o uso de medicamentos na última semana, basicamente analgésicos, anti-inflamatórios e relaxantes musculares. Em relação à permanência do estado doloroso, 46,66% dos entrevistados relataram que as dores não são sentidas após um final de semana completo de repouso, e apenas 40% afirmaram que as dores diminuem ou desaparecem com o repouso noturno.

     A dor e o uso de medicamentos foi relatada por empregados bastante jovens, muitos com idade variando entre 22 a 26 anos de idade. "Esses trabalhadores podem ter sua vida útil comprometida," afirmou o procurador Sandro Sardá, "ou serem completamente incapacitados não só para o trabalho, mas qualquer outra atividade, inclusive de cunho pessoal, em razão do estabelecimento crônico do processo doloroso", concluiu. Foi constatado também que, no setor de embalagem do frango inteiro, cerca de 73,33% dos empregados sentem desconforto e dor nas pernas por realizar as atividades em pé, em consequência da falta de assentos ergonômicos. Diversos empregados do setor relataram, ainda, a que alguns ambientes são muito quentes, indicando a necessidade da instalação de ventiladores e outras medidas adequadas para assegurar o conforto térmico.

     Já os empregados da BRF sofrem pelo excessivo ritmo de trabalho e pela omissão da empresa em cumprir as pausas estabelecida pela Norma Regulamentadora (NR) 36. A conclusão é resultado da análise do questionário de avaliação das condições de trabalho em frigoríficos, aplicado pelo MPT e respondido/denunciado por funcionários da indústria. O objetivo do questionário foi o de identificar as condições de saúde e eventuais inadequações das condições de trabalho. Foram entrevistados 45 empregados do setor de embalagem do frango inteiro. A amostra abrange cerca de 50% dos que laboram no setor, no primeiro turno de trabalho.

     Os dados comprovam a necessidade imediata de adequação do ritmo de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores no setor pesquisado, com o devido dimensionamento do número de empregados às exigências de produção (acréscimo de um empregado em cada posto do funil), desvio de parte da produção para a sala de cortes, reduzindo o número de frangos/hora/cuba e o atual ritmo de trabalho para os limites informados pelo laudo ergonômico da empresa (manuseio de até 15 peças por minuto). A adequação das condições de trabalho requer a observância do limite de 40 ações técnicas por minuto/trabalhador.

     Conforme os questionários, 44,5% dos entrevistados responderam que o ritmo de trabalho na BRF é muito rápido. Para 53,3%, é rápido. Apenas 2,2% consideraram o ritmo médio. Repete-se na BRF o quadro encontrado na JBS: 90% dos empregados relataram senti dor constante, todos os dias, no ombro, braços, mão, punho e coluna. Para combater esses agravos, a BRF, assim como a JBS, prefere receitar e fornecer medicamentos em lugar de adotar medidas de ergonomia: 79% dos empregados relataram o uso regular de analgésicos, relaxantes musculares e anti-inflamatórios.

     Para 71,4% dos entrevistados, somente sentem alívio das após um final de semana completo de repouso, de nada valendo o descansando ao fim do dia de trabalho. A dor se inicia precocemente: 39,3% dos entrevistados reportaram que ela surge já a partir do terceiro mês de trabalho no frigorífico. E são dores fortes. Para 59,5% dos entrevistados, ela é muita intensa. Apenas 28,6% avaliaram as dores como moderadas. E somente 11,9% classificaram-nas como leves. Mas todos admitiram sentir dor todos os dias. A jornada é exaustiva para 35,6% dos entrevistados, igual proporção dos que disseram se sentir muito cansados ao final da jornada. Relataram cansaço normal 26,6% deles. Apenas 2,2% dos empregados ouvidos disseram se sentir pouco cansadas após o término da jornada.

     Por fim, no tocante à concessão adequada das pausas para recuperação psicofisiológica preconizada pela NR-36, 97,8% dos empregados entrevistados informaram que a empresa não concede regularmente todas as pausas, sendo frequente a subtração delas pausas ao longo da jornada. Pela jornada superior a 7h40, deveriam ser concedidas 5 pausas de 10 minutos ao longo do dia, sem desconto no salário, para que o empregado possa se recuperar para retornar ao trabalho. As pausas devem intercalar blocos de 50 minutos de trabalho.

Integração, unidade e eficácia

     O procurador-chefe adjunto do MPT-RS, Rogério Uzun Fleischmann, afirma que "as operações estão sendo muito proveitosas por ter unido o MPT e o MTE em uma área extremamente sensível para a saúde e segurança dos trabalhadores. Trata-se de um primeiro passo, na medida em que as operações integram projeto maior de melhoria das condições de trabalho em todos os frigoríficos em todo o Rio Grande do Sul de forma unitária e igualitária. Temos certeza de que, a partir da atuação, vamos conseguir eficácia para redução de acidentes e adoecimentos no setor".

     Segundo o procurador do Trabalho Philippe Gomes Jardim, coordenador nacional da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente de Trabalho (Codemat) do MPT, as forças-tarefas integram o "Programa adequação das condições de trabalho nos frigoríficos", um dos cinco projetos da Codemat e que visa à redução das doenças profissionais e doenças do trabalho. "As principais ações consistem na atuação nacional para identificar os problemas e adotar medidas judiciais e extrajudiciais para adequação das condições ambientais no trabalho", explica.

     O procurador Sandro Sardá avalia que "a adequação do meio ambiente de trabalho em frigoríficos requer não somente a concessão de pausas de recuperação de fadiga, mas, cumulativamente, redução do ritmo de trabalho em torno de 30% do que vem sendo praticado atualmente, além da redução da jornada de trabalho. Caso contrário, vamos continuar a observar altos índices de adoecimento, sofrimento e incapacidade de jovens trabalhadores". Para o gerente nacional do Programa do MPT, "é inadmissível que a empresa de Lajeado não conceda integralmente as pausas previstas na NR 36, configurando uma conduta deliberada em não proteger a saúde dos trabalhadores, mesmo diante de graves agentes de risco tal como frio e o ritmo". Ressaltou ainda que o ritmo de trabalho atualmente imposto pela empresa é absolutamente incompatível com a saúde física e mental dos trabalhadores.

     Sobre a JBS, o procurador Ricardo Garcia garante que "embora a planta tenha apresentado melhorias em comparação a setembro de 2012, data da última inspeção, revelou possuir frágil sistema de gestão de saúde e segurança. A Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) não funciona adequadamente. Os programas prevencionistas, como o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) são vagos e genéricos. Essa realidade conduz ao ainda elevado número de adoecimentos e às situações de risco que culminaram com as interdições. No caso da BRF, "a causa principal dos problemas encontrados, principalmente os de natureza ergonômica, é a falta de gestão de risco, pois a CIPA e o Serviço Especializado de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) não funcionam. O PPRA e o PCMSO são inadequados, não contêm atividades de prevenção, seja em saúde, seja em segurança. Essa imobilidade resulta em ambiente perigoso e altamente ofensivo aos trabalhadores, causando adoecimentos e propiciando ocorrência de acidentes".

Organização do trabalho versus saúde
     Conforme o auditor Mauro Müller, "o maior problema encontrado é de organização do trabalho. As empresas estão privilegiando, na organização das atividades, as metas de produção em detrimento da saúde do trabalhador. Constatamos nas atividades interditadas um ritmo de trabalho excessivo, com posturas inadequadas e movimentos altamente repetitivos, capazes de levar ao adoecimento do trabalhador. As empresas estão exigindo do trabalhador mais do que uma máquina poderia realizar nas mesmas condições, como na atividade de embalar frango (pois o trabalhador é obrigado a ensacar 30 frangos por minuto e as máquinas existentes no mercado ensacam no máximo 15)".

     O dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins para a região Sul (CNTA-Sul), Darci Pires da Rocha, que vem acompanhando os trabalhos da força-tarefa, afirma que "os fatos constatados pelas forças-tarefas, em relação as fábricas da BRF e da JBS, corroboram as pesquisas feitas pelas entidades sindicais de trabalhadores do ramo da alimentação em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), que apontaram um conjunto sinistro de fatores que levam os trabalhadores ao adoecimento e à aposentadoria precoce".

Procuradores, auditores e fisioterapeuta conversam com trabalhadores
Procuradores, auditores e fisioterapeuta conversam com trabalhadores

     Para a assessora da CNTA-Sul, a fisioterapeuta Carine Tais Guagnini Benedet, "observou-se total falta de visão prevencionista e e desatenção à saúde do trabalhador". Para ela, "o estado de saúde de um trabalhador não é independente de sua atividade profissional, porém as relações entre o trabalho e a saúde são complexas e devem ser muito bem analisadas. A eliminação da nocividade do trabalho é a primeira finalidade da ação ergonômica. Para a ergonomia", disse ela, "a transformação deve ser realizada de forma que contribua na concepção de situações de trabalho que não alterem a saúde do trabalhador. É preciso ater-se à importância da análise ergonômica do trabalho fidedigna, em que esta contribuirá para trazer uma descrição da atividade, um olhar sério sobre a situação de trabalho, apontando estreita relação entre a atividade, a produção e a saúde do trabalhador".

 

Texto e fotos: Flávio Wornicov Portela (reg. prof. MTE/RS 6132)
Publicação no site: 28/5/2014

Tags: Maio

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