Caixa condenada por assédio sexual em Caxias do Sul
Justiça do Trabalho julgou ação do MPT e determinou pagamento de dano moral coletivo de R$ 1,2 milhão; valor será revertido em favor de instituição ou entidade social na fase de execução da sentença; cabe recurso
A Caixa Econômica Federal (CEF) foi condenada a pagar indenização - por dano moral coletivo - de R$ 1,2 milhão por assédio sexual a várias de suas trabalhadoras. A condenação resulta de ação civil pública (ACP), ajuizada (em 3/5/19) pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em Caxias do Sul, contra unidade da instituição financeira que funcionava no Município, a partir de denúncia de assédio moral e sexual protocolada (em 2/5/16) pelo Sindicato dos Bancários. A sentença foi proferida (em 8/7/20) pela 2ª Vara do Trabalho caxiense. O valor será reversível em favor de instituição ou entidade social indicada pelo MPT na fase de execução da sentença. A empresa pública também foi condenada a cumprir 11 obrigações de fazer e não fazer. A multa é de R$ 100 mil por obrigação descumprida. Haverá acréscimo de R$ 10 mil por trabalhador(a) prejudicado(a), específica e individualmente considerado, quando envolver pessoas passíveis de identificação. Cabe recurso à Caixa.
A ACP foi ajuizada pela procuradora Amanda Fernandes Ferreira Broecker. Atualmente, é acompanhada pelo procurador Raphael Fabio Lins e Cavalcanti. A palavra "sexual" aparece 80 vezes na sentença do juiz Gustavo Friedrich Trierweiler, enquanto a palavra "sexuais" é vista cinco vezes. Entre as determinações do magistrado, está a de que a Caixa deve abster-se de, por qualquer de seus representantes ou empregados que ocupem cargos ou funções de chefia, gerência e direção, utilizar de práticas vexatórias ou humilhantes contra trabalhadores. Também deve abster-se de submeter, de permitir ou de tolerar, por atos de superiores hierárquicos ou prepostos, qualquer tipo de comportamento no âmbito da empresa que, impingindo maus tratos ou tratamento desrespeitoso de conotação sexual a trabalhadores (homens e mulheres), independentemente do tipo de vínculo com a empresa, possa configurar assédio sexual.
Deve ser compreendido como assédio sexual todo comportamento indesejado de caráter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, especialmente decorrente de comentários sexuais, piadas de duplo sentido, insinuações, “cantadas”, convites íntimos ou toques, com objetivo ou efeito de perturbar e constranger a pessoa, afetar sua dignidade, ou de lhe criar ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. Os efeitos da decisão atingem a GIRET (em Caxias do Sul/RS, local original dos fatos), GI Operações de Varejo Serra Gaúcha (suposta denominação posterior da GIRET) e unidade CR Conformidade Operações Bancárias Porto Alegre (por precaução, porque teria absorvido tarefas alhures competentes à GIRET), além do local em que trabalham ou trabalharão as pessoas envolvidas. De imediato, sem prejuízo de futura adequação, a ordem alcançará a Unidade 145 0445-4 AG Partenon, RS; a Unidade 155 0465-4 AG Caxias do Sul, RS; e a Unidade 512 7790-5 CR conformidade OP Bancárias P Alegre (locais de trabalho atuais dos envolvidos).
Mais obrigações
A autarquia federal deverá incluir, nas reuniões de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) de todos os estabelecimentos, no mínimo a cada seis meses, tópico de combate ao assédio moral e de combate ao assédio sexual, com adoção de medidas práticas para prevenir futuras ocorrências, com registro nas atas. Também deverá capacitar atuais gestores e todos funcionários que tenham subordinados, por meio de curso sobre boas práticas no trabalho e formas de evitar assédio moral e assédio sexual. A Caixa promoverá campanha educativa no âmbito interno além de, semestralmente, pelo período de cinco anos, promover palestra sobre assédio moral e sexual no ambiente de trabalho.
A instituição financeira cientificará todos empregados compreendidos no âmbito da extensão geográfica desta decisão a respeito da existência de condenação por haver tolerado práticas de assédio moral e de assédio sexual, afixando cópia de cartaz informativo repudiando tais práticas nos murais de avisos situado em local de fácil acesso, com ampla visibilidade e frequentado pelos trabalhadores, pelo prazo mínimo de um ano. Deverá informar, ainda, a página do MPT para recebimento de denúncias, inclusive anônimas: www.prt4.mpt.mp.br/servicos/denuncias. Por fim, a Caixa deverá comunicar à autoridade policial condutas que forem identificadas no âmbito interno como potencialmente caracterizadoras da prática de assédio sexual.
Condutas marcantes
Alguns dos depoimentos de testemunhas ouvidas pelo MPT nos inquéritos civis (IC) mostram que as condutas eram bem marcantes, conforme avalia o procurador Raphael Cavalcanti. A sentença reproduz tipos de conduta que enquadraram a questão como assédio sexual. Uma funcionária relatou que o chefe "se encorajou a tomar liberdades com ela; apesar de ser casada, passou à ser cortejada; que ele percebeu como mexer psicologicamente com cada uma das colegas que ele assediava". Ele a chamava constantemente para conversas, as quais, começaram a ter o teor "tu precisa baixar a guarda" e "tu precisa te aproximar mais de mim". Ela foi percebendo que o seu superior estava com "segundas intenções", mas a depoente manteve distância. Também havia contato físico, pois ele "chegava por trás, de pé", enquanto ela estava sentada, colocava a mão nos ombros e no pescoço dela, massageando-a. O chefe costumava "arrumar" a roupa dela, colocando o sutiã para dentro da blusa. Os elogios também foram ficando cada vez mais invasivos.
O chefe começou a escrever no grupo de comunicação virtual interno, "como você está bonita hoje", "tu tá uma loucura hoje”, avançando para "se você vier de saia todos os dias, eu não me aguento", "tem que vir de saia trabalhar", "esta tua calça deixa tua bunda linda", “essa camisa deixa aparecer o teu sutiã" e "tá de matar hoje". Ela começou a modificar seu modo de vestir, passando a usar cabelo preso e roupas escuras, bem como evitando saias e vestidos. Em uma das conversas, o chefe "deu a entender" que poderia colocar a depoente em cargo muito superior ao dela, como o de supervisora. Depois dessa denúncia e dos fatos relatados à psicóloga, o superior hierárquico passou a fazer piadas sobre chegar perto das mulheres no ambiente de trabalho.
Outra funcionária relatou situações semelhantes. Durante um tempo, toda vez que a depoente chegava, sentia um olhar desrespeitoso, acompanhando a passagem dela enquanto ela caminhava. Algumas vezes, um elogio vinha acompanhado desse olhar. Ela demonstrou incômodo com a situação e começou a não responder ao "bom dia" e a olhar para baixo. Ele se deu conta do constrangimento e passou a ficar mais ofensivo. Ele passou a fazer contato pelo mensageiro interno da Caixa e fazia comentários específicos de roupas, como "como esta meia calça cor vinho fica bem em ti "ou "o teu penteado de hoje está diferente do de ontem e eu gosto mais assim". Ela explicou que ele não usava expressões de baixo calão, o que tornava ainda mais constrangedora a situação, porque não permitia resposta. Ela percebeu que passou a se arrumar cada vez menos, se vestindo de modo mais discreto, evitando ao máximo chamar atenção.
O chefe a convidou para "tomar um chopp". Ela colocou muito expressamente que não tinha interesse em sair com ele. Ele respondeu algo do tipo "mas tu não tem interesse em crescer na empresa?". Depois da recusa expressa, o gestor passou a adotar outras medidas contra a depoente, sendo muito grosseiro. Em reuniões, quando ela dava uma sugestão, era ridicularizada por ele. Em uma ocasião, que marcou muito a depoente, o chefe tinha determinado que a atividade fosse feita de uma forma que não seria mais produtiva e, então, ela sugeriu outra forma, que foi rechaçada de forma espalhafatosa, debochando da proposta. Foram inúmeras situações de reuniões mal conduzidas, constrangedoras, expondo os erros dos colegas nominalmente.
ACP nº 0020596-63.2019.5.04.0402
Texto: Flávio Wornicov Portela (reg. prof. MT/RS 6132)
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