Audiência coletiva alerta para importância da aprendizagem para jovens em vulnerabilidade social
Ação foi organizada em conjunto pelo MPT, TRT, MP e MT; encontro reuniu aproximadamente 350 empresas convocadas e sujeitas à legislação; objetivo foi o de esclarecer aos empregadores sobre o dever legal e social da contratação de aprendizes
Audiência coletiva sobre a Lei do Aprendiz foi realizada, na tarde desta quinta-feira (3/8), no plenário do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS). A ação foi organizada em conjunto pelo TRT-RS, Ministério Público do Trabalho no Rio Grande (MPT-RS), Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP/RS) e Ministério do Trabalho no Rio Grande do Sul (MT/RS). Participaram representantes de, aproximadamente, 350 empresas convocadas e sujeitas à legislação. O objetivo foi o de esclarecer aos empregadores sobre o dever legal e social da contratação de aprendizes. Esta foi a segunda audiência coletiva promovida nesse formato, dando continuidade ao projeto iniciado em 2016. Neste ano, o evento destacou a importância de se priorizar a aprendizagem para jovens em situação de vulnerabilidade. A mesa oficial foi composta pela presidente do TRT-RS, desembargadora Beatriz Renck, pelo procurador-chefe do MPT-RS, procurador do Trabalho Rogério Uzun Fleischmann, pelo procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen, e pelo superintendente regional do Trabalho, José Francisco Teixeira Cândido.
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Na abertura do evento, a presidente Beatriz Renck ressaltou que a contratação de aprendizes traz benefícios para todos os envolvidos. “Se por um lado o jovem aprendiz beneficia-se ao ser preparado para enfrentar diversas situações no mundo do trabalho, por outro, a contratação possibilita que as empresas orientem formação de mão de obra qualificada, de acordo com as necessidades e valores de seu empreendimento”, afirmou. A magistrada também esclareceu que a formação do jovem aprendiz não se limita aos aspectos técnicos da profissão, mas também estimula o desenvolvimento de valores éticos por meio do acompanhamento pedagógico e psicológico.
Em seu pronunciamento, o procurador-chefe Rogério Fleischmann avaliou como "raríssimo um momento como este, em que se encontram entidades que têm focos e competências tão distintas. Tirando a representação trabalhista (Superintendência, Procuradoria, Tribunal e advocacia trabalhista), nós temos o MP estadual, o Poder Executivo municipal, o Poder Executivo estadual, a Justiça Estadual, a Defensoria Pública e outros. Por que essa configuração tão díspare e tão rara de se encontrar? Porque cada uma dessas entidades ou órgãos, na sua atividade particular, sente falta dessa solução que é a aprendizagem. O promotor de Justiça lá no fim do Interior do Rio Grande do Sul, quando encontra um jovem infrator, se pergunta por que ele não teve oportunidade. O defensor faz a mesma pergunta: porque o jovem não teve oportunidade? O MPT, quando encontra uma criança em situação de trabalho infantil, pergunta: cadê a oportunidade? Pois a oportunidade está aqui. Não é oportunidade de discurso,apenas. Provavelmente, todos aqui são contra o narcotráfico e contra a prostituição infantil, defendemos a educação e a profissionalização. Então, não temos como discordar do objetivo, da proposta e do discurso. Mas para além do discurso, vocês assistirão aqui uma aula de como fazer. Se não for por um ato nobre, por compaixão ou empatia, que seja por egoísmo, para que a gente possa andar na rua com mais segurança e tranquilidade".
Falas técnicas
A segunda parte da audiência foi reservada para as falas técnicas, que tiveram início com o depoimento da coordenadora da Comissão de Direitos Humanos e Trabalho Decente do TRT-RS, desembargadora Carmen Izabel Centena Gonzalez. A desembargadora ressaltou que a função da audiência pública é a de esclarecer as empresas de grande e médio porte sobre a obrigação legal de cumprir a legislação, conscientizando-as sobre o papel social que devem exercer.
A coordenadora estadual da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes (Coordinfância) do MPT e integrante do Fogap, procuradora do Trabalho Patrícia de Mello Sanfelici, afirmou que "é valoroso demais ver o Estado absolutamente representado por todas as suas instituições, numa rara configuração. A expressiva presença das empresas só consolida a importância desse ato. Estamos aqui, Estado e sociedade civil, na busca do mesmo objetivo."
O juiz de Direito Charles Maciel Bittencourt, do 3º Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre, compartilhou com o público sua experiência no atendimento a jovens que cumprem medidas socioeducativas e fez uma reflexão sobre a importância de as empresas darem oportunidades aos aprendizes. Conforme o magistrado, em Porto Alegre há 1.200 jovens cumprindo medida socioeducativa no meio aberto, mas deste total apenas três estão participando de programas de aprendizagem.
Conforme a promotora de Justiça da Infância e da Juventude de Porto Alegre, Cinara Vianna Dutra Braga, Porto Alegre possui atualmente 94 casas e abrigos de acolhimento institucional, as quais acolhem 1.094 crianças e adolescentes. “São crianças e jovens que foram abandonados e, na grande maioria, gravemente violentados nos seus direitos básicos”, afirmou. A promotora ressaltou que esse acolhimento deveria ser provisório, mas que na prática acaba se estendendo por muito tempo. “Muitos completam 18 anos e precisam sair do acolhimento, geralmente com defasagem na escolaridade”, afirmou.
Modalidades de aprendizagem e panorama do trabalho infantil
A coordenadora da aprendizagem da Superintendência Regional do Trabalho no Rio Grande do Sul (SRT-RS), Denise Brambilla González, explicou que há três modalidades possíveis para o curso de aprendizagem. Na primeira hipótese, as partes teórica e prática do curso ocorrem na própria entidade formadora. É o que ocorre, por exemplo, no Senai. Na segunda, a teoria é ministrada pela entidade formadora e a prática pela empresa contratante. E na terceira hipótese, com previsão mais recente na legislação brasileira, a teoria ocorre na entidade formadora e a prática em outra empresa que concede o espaço, diferente da empresa que fará a contratação. Atualmente 400 jovens que cumprem medida socioeducativa dentro da Fase participam do programa de aprendizagem, com a instituição oferecendo a formação teórica e prática.
A coordenadora do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Maria Cláudia Falcão, passou ao público um panorama sobre a situação do trabalho infantil no país. Em 1992, havia cerca de 8 milhões de crianças entre 5 e 17 anos nessa situação. Em 2015, o número caiu para 2,7 milhões. “O Brasil conseguiu retirar mais de cinco milhões de crianças deste cenário. Mas o problema é que nos últimos anos o ritmo de queda vem diminuindo”, refletiu. Mais de 83% das crianças vítimas de trabalho infantil possuem entre 14 e 17 anos.
A oficial técnica em Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho da OIT, Thaís Dumêt Faria, acrescentou que no debate sobre a aprendizagem fala-se muito sobre seu impacto na prevenção, seja com relação ao trabalho infantil ou à criminalidade, mas que também é importante destacar seu papel para o crescimento da produtividade. “Também precisamos ver o jovem como cidadão capaz, produtivo e criativo”, declarou. Thaís citou a pesquisa realizada pela OIT na Bahia, onde se constatou que a maior parte dos jovens cumprindo medidas socioeducativas está nessa situação por causa do tráfico de drogas, que é considerado uma das piores formas de trabalho infantil.
Também integraram a segunda mesa o secretário adjunto da Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos do Estado do RS, Darci Lauermann, o representante do Tribunal de Justiça do RS, juiz Charles Maciel Bittencourt, a representante da Defensoria Pública do Estado do RS, Melissa Torres Silveira, a secretária municipal de Desenvolvimento Social, Maria de Fátima Záchia Paludo, a representante da OAB-RS, Letícia da Silva Magalhães, a coordenadora do Fórum Municipal de Aprendizagem Profissional de Porto Alegre, Simone Quadros, o coordenador do Fórum Gaúcho de Aprendizagem Profissional, João da Luz, o presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região, Rodrigo Trindade de Souza, o representante da Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas, João Vicente Araújo, e o vice-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas no RS, Eugênio Hainzenreder Junior.
Depoimentos de jovens aprendizes e apresentações artísticas
A audiência pública contou com o depoimento de dois jovens que participaram do programa de aprendizagem. Raquel é moradora do instituto Pão dos Pobres e faz curso de gastronomia e assistente administrativa. “Agradeço muito essa oportunidade, porque estou completando 18 anos e tenho para onde ir. Eu e meu irmão, que também foi jovem aprendiz, vamos alugar uma casa e poderei fazer o que quero com o meu futuro”, afirmou. O jovem Willian foi interno da Fase. Atualmente, ele participa do Programa Oportunidade e Direitos (POD) e é aluno em um curso de manutenção de computadores. “Nunca imaginei que um dia falaria para um público como esse. Se não fosse o POD e o curso não sei onde estaria agora, nem mesmo se estaria vivo ou morto. Mas estou aqui e quero continuar melhorando minha vida”, declarou.
O evento também incluiu apresentações artísticas de grupos de jovens e adolescentes. O show musical ficou a cargo do grupo de musicalização do Centro e Atendimento Integral da Fundação “O Pão dos Pobres de Santo Antônio”, que oferece aulas a cerca de 80 crianças e adolescentes no contraturno escolar. O grupo de teatro do Centro Social Marista de Porto Alegre encenou uma peça que abordou o tema de crianças em situação de vulnerabilidade social.
Legislação sobre a aprendizagem
A Lei da Aprendizagem (10.097/2000) determina que as empresas de médio e grande porte contratem um número de aprendizes equivalente a um mínimo de 5% e um máximo de 15% dos trabalhadores existentes, cujas funções demandam formação profissional. Esses jovens devem ser inscritos pela empresa em cursos de aprendizagem, oferecidos pelo “Sistema S” (Sesi/Senai/Senar/Senat/Sescoop), escolas técnicas e entidades sem fins lucrativos cadastradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Apesar da obrigatoriedade para empresas maiores, toda organização pode ter aprendizes, desde que o faça dentro da lei. A norma é uma garantia de que o jovem não deixará os estudos pelo trabalho, já que exige a manutenção da educação formal, além da técnico-profissional.
De acordo com a legislação, a contratação tem um prazo determinado de, no máximo, dois anos. Para participar, os jovens devem ter mais de 14 anos e menos de 24, e precisam ter concluído ou estar cursando o ensino fundamental ou médio. Dessa forma, fica garantida a uma parcela significativa dos jovens brasileiros a necessária qualificação para acessar postos de trabalho que demandam profissionais cada vez mais habilitados.
No Brasil, o trabalho é totalmente proibido até os 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14. Assim, a aprendizagem é uma das maneiras de se enfrentar a precariedade do trabalho infantil e combinar educação e qualificação no trabalho, permitindo que os jovens tenham garantias trabalhistas, segurança e remuneração justa.
Texto: Flávio Wornicov Portela (reg. prof. MT/RS 6132) com informações de www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/comunicacao/noticia/info/NoticiaWindow?cod=1495300&action=2
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