Governo desestrutura proteção ao trabalho
MPT critica portaria que modifica conceito de trabalho escravo; Instituições pedem revogação da norma que fere Código Penal, convenções internacionais e Lei de Acesso à Informação
O procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS), Victor Hugo Laitano, afirmou hoje (17/10) que a portaria do Ministério do Trabalho (MT), que modifica o conceito de trabalho escravo e traz novas regras sobre a publicação da Lista Suja, "é um sinal de desestruturação da proteção ao trabalho, que começou com a Reforma Trabalhista". Divulgada no Diário Oficial da União (DOU) de segunda-feira (16), a Portaria nº 1129/2017 dispõe sobre conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do MT. Segundo a norma, para que a jornada excessiva ou a condição degradante sejam caracterizadas, é preciso haver a restrição de liberdade do trabalhador, o que contraria o artigo 149 do Código Penal, que determina que qualquer um dos quatro elementos é suficiente para caracterizar a prática de trabalho escravo. Além disso, a portaria diz que a divulgação da Lista Suja será feita somente por determinação expressa do ministro do Trabalho, o que antes era feito pela área técnica do Ministério.
O MPT e o Ministério Público Federal (MPF) expediram, nesta terça-feira (17), recomendação pela revogação da Portaria do MT. Na recomendação, as Instituições afirmam que a portaria é manifestamente ilegal, porque contraria frontalmente o que prevê o artigo 149 do Código Penal e as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao condicionar a caracterização do trabalho escravo contemporâneo à restrição da liberdade de locomoção da vítima. As instituições também alegam que as novas regras sobre a publicação da Lista Suja ferem a Lei de Acesso à Informação, fragilizando importante instrumento de transparência dos atos governamentais que contribui significativamente para o combate ao crime.
Para o procurador Laitano, "o trabalho escravo sempre foi política pública do Brasil, sempre mereceu maior atenção, porque o Brasil sofre das mazelas do trabalho escravo e combate era prioridade, uma política pública, então. Se introduziu série de dispositivos, justamente para evitar utilização desse tipo de mecanismo medieval de utilização da mão de obra humana. Sempre pautada na dignidade, a Constituição Federal recebeu a Emenda Constitucional 81, que prevê até desapropriação de propriedades onde se localiza o trabalho escravo. O artigo 149 do Código Penal já define o trabalho escravo. A gente vê nessa portaria uma série de entraves à fiscalização, uma série de mecanismos que bloquearão combate e identificação do trabalho escravo. Se criou roteiro extremamente complexo, que de certa forma dificulta a identificação e o combate ao trabalho escravo".
Na recomendação, MPT e MPF mencionam determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, instituição judicial autônoma da Organização dos Estados Americanos (OEA), que “previu expressamente que não poderia haver retrocessos na política brasileira de combate e erradicação do trabalho análogo ao de escravo”. Em dezembro de 2016, a Corte responsabilizou internacionalmente o Estado brasileiro por não prevenir a prática de trabalho escravo e tráfico de pessoas. A sentença ocorreu no caso dos Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs. Brasil, em um processo que durou cerca de três anos. Nessa fazenda, no sul do Pará, mais de 300 trabalhadores foram resgatados, entre 1989 e 2002. Em 1988, foi denunciada a prática e o desaparecimento de dois adolescentes que teriam tentado fugir do local.
O procurador Laitano lembra que "a atribuição do trabalho escravo antes era dos auditores-fiscais do Trabalho, eles faziam a identificação e buscavam nas condições que visualizavam de violação da dignidade do trabalhador, a proibição de ir e vir, série de restrições de liberdade do trabalhador e, portanto, do trabalho escravo. Com essa medida, se estabeleceu série de requisitos para essa identificação. Ela agora terá que ter boletim de ocorrência policial. Os requisitos para categorização do trabalho escravo são todos eles detalhados: a jornada de trabalho, a privação do direito de ir e vir, posição degradante. Se criou minúcias dessa portaria que tendem a dificultar a identificação em combate ao trabalho escravo. A principal alteração é que a portaria retira do conceito de trabalho escravo a noção de condições degradantes, retornando a visão arcaica que trabalho escravo é somente aquele que cerceia a liberdade".
O MPT tem na sua estrutura a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete). No Rio Grande do Sul, a situação já esteve muito pior. "Por exemplo, na colheita da maçã na região de Vacaria existia, antigamente, trabalho de boias frias trazidas de outros estados para colheita. Então, é bem mais pontual, a gente vê a situação pior em outros estados, mas aqui no Rio Grande do Sul estamos sempre atentos. A gente recebe denúncias de trabalho análogo ao escravo. Atualmente, existe conceito mais contemporâneo, não é mais aquele de antigamente de correntes e prisão. Hoje em dia se viola a dignidade do trabalhador, pra nós já é uma forma de identificação do trabalho escravo".
Texto: Flávio Wornicov Portela (reg. prof. MT/RS 6132)
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