Força-tarefa resgata seis trabalhadores reduzidos à condição análoga à de escravo em Encruzilhada do Sul
Denúncia ao MPT resultou operação conjunta com MTE e apoio da PF para fiscalizar fazenda que explorava extração e corte manual de acácia
Força-tarefa resgatou, no final da manhã desta quarta-feira (2/9), seis trabalhadores reduzidos à condição análoga de escravo, em fazenda que explorava extração e corte manual de acácia. Além desses seis trabalhadores que estavam no local, outros sete já trabalharam na mesma tarefa desde maio. A propriedade está localizada no Passo da China, no 5º distrito de Encruzilhada do Sul, Município localizado no Vale do Rio Pardo, a 169 km da Capital, Porto Alegre. Para chegar na fazenda, são percorridos 35 km de estrada de chão. A propriedade onde estavam acampados os trabalhadores fica 10 km após a Escola Municipal de Ensino Fundamental Bibiano Batista, na Vila Pinheiros, na direção de Encruzilhada do Sul para Cachoeira do Sul, à esquerda de quem transita neste sentido. A operação teve origem em denúncia formulada no site do Ministério Púbico do Trabalho (MPT), que atuou em conjunto com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e com apoio da Polícia Federal.
A ação confirmou informações reportadas na denúncia feita de forma sigilosa. A situação flagrada, dentre outras irregularidades, apontou falta de pagamento de salários, alojamento em condições subumanas (barracos de lona), inexistência de acomodações indevassáveis para homens, mulheres e crianças (convivência promíscua), inexistência de instalações sanitárias adequadas, com precárias condições de saúde e higiene (falta de material de primeiros socorros ou de fossas sépticas), falta de água potável e alimentação parca, aliciamento de trabalhadores de uma para outra localidade do território nacional (que, isoladamente, configura o crime do art. 207, caput, do Código Penal, com pena cominada de um a três anos e multa), truck-system (os populares “barracões”, que têm representado o renascimento da servidão por dívidas), inexistência de refeitório adequado para os trabalhadores e de cozinha adequada para o preparo de alimentos, ausência de equipamentos de proteção individual e coletiva, meio ambiente de trabalho nocivo (selva, chão batido, animais peçonhentos, umidade etc.), coação moral e cerceamento da liberdade em razão da ausência de pagamentos, falta de assistência médica e ausência de registro na Carteira do Trabalho e Previdência Social (CTPS).
Conforme relato colhido dos trabalhadores, eles recebiam R$ 4 por m³ de acácia. A produção individual diária era em torno de 10 m³, o que rendia R$ 40. Todos trabalhadores tinham valores atrasados há mais de 21 dias. O dono da propriedade, Gilson Gomes Lisboa, de Cachoeira do Sul, negociou o corte de mil m³. Após, todos estariam liberados do trabalho. Foram resgatados (os cinco primeiros vindos do Município de Candelária) E. S., contratado pelo dono da propriedade e contratante dos trabalhadores, S. J. V. (22 anos), F. J. O. (33) e A. V. (40), os quatro há mais de quatro meses no local, mais L. G. (41) e (este último vindo do Município de Triunfo), J. J. N. (35), os dois últimos há 49 dias na fazenda. Dois sofreram acidente de trabalho nos últimos dias e não foram atendidos. A jornada diária era das 7h às 18h, com uma hora de intervalo, sete dias por semana. Um trabalhador era analfabeto.
A equipe foi formada pelo procurador do Trabalho Bernardo Mata Schuch (MPT em Santa Cruz do Sul) e pelos auditores-fiscais do Trabalho Gerson Soares Pinto (SRTE em Porto Alegre), João Ricardo Dias Teixeira e Marcio Rui Cantos (GRTE em Pelotas), que tomaram os depoimentos dos trabalhadores. O grupo recebeu apoio de segurança dos agentes Mohr, Fábio e Rubeni (Delegacia de Polícia Federal em Santa Cruz do Sul). Para o procurador, "os fatos noticiados e comprovados in loco afrontam direitos sociais constitucionalmente assegurados aos trabalhadores, demandando a atuação do MPT, que instaurou inquérito civil, visando à sua apuração. Foi solicitada fiscalização à Gerência Regional do MTE em Pelotas (com abrangência sobre Encruzinhada do Sul), a fim de averiguar as irregularidades trabalhistas. Com a comprovação das denúncias, cabe ao MPT à implementação das medidas cabíveis para proteção da ordem jurídica e dos direitos por ela conferidos aos trabalhadores".
Negociação
O proprietário Gilson Gomes Lisboa foi localizado por telefone em Cachoeira do Sul e chamado, no meio da tarde, para comparecer na Escola Bibiano Batista, que cedeu o local para a força-tarefa instalar-se. A audiência administrativa começou às 19h15min. Foi proposto pelo MPT que o empregador, que estava acompanhado de dois advogados, firmasse termo de ajuste de conduta (TAC). Foi dado prazo até às 11h desta quinta-feira, quando haverá nova reunião, em Cachoeira do Sul (cidade mais próxima com vagas suficientes em hotéis para alojar toda força-tarefa e os trabalhadores), para o empregador assinar o TAC. Em caso de não assinatura, o procurador adiantou que ajuizará ação civil pública (ACP). Também foi comunicada a designação de outra audiência administrativa, no MPT em Santa Cruz do Sul, na próxima quarta-feira (9/9), às 11h, para tratar do dano moral coletivo.
O MTE comunicou a interdição da frente de trabalho, notificou o empregador para efetuar a formalização dos contratos, o alojamento dos trabalhadores em local digno e a alimentação dos mesmos, até o pagamento das rescisões e o retorno dos trabalhadores a suas origens. A PF informa que a questão criminal será resolvida em reunião na próxima terça-feira (8/9), às 14h, na Delegacia da PF em Santa Cruz do Sul. A audiência terminou às 20h30min, quando todos iniciaram deslocamento para Cachoeira do Sul, onde chegaram às 22h15min e os seis trabalhadores foram hospedados, no hotel Everson, em apartamentos individuais, às custas do empregador.
Texto e fotos: Flávio Wornicov Portela (reg. prof. MTE/RS 6132) enviado especial
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