O Frigorífico Silva Indústria e Comércio Ltda., que abate bovinos, em Santa Maria (município localizado na região Centro do Rio Grande do Sul, a 290 km da Capital, Porto Alegre), foi interditado no final da manhã de hoje (20/3) pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), devido à constatação de situação de risco grave e iminente à saúde e à integridade física dos trabalhadores. Durante a paralisação dos serviços, em decorrência da interdição, os empregados devem receber os salários como se estivessem em efetivo exercício, nos termos do §6º do art. 161 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A interdição resulta da primeira operação da força-tarefa 2015 que investiga meio ambiente do trabalho em frigoríficos gaúchos bovinos e suínos. A ação na planta localizada na BR 392, Km 8, bairro Passo das Tropas, foi realizada de terça (17) a sexta-feira (20). A diligência foi organizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo MTE. A inspeção contou com apoio do movimento sindical dos trabalhadores e participação da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado do Rio Grande do Sul (CREA-RS) e do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) da Região Centro, com sede em Santa Maria. A planta abate, em média, 690 cabeças por dia. São 65% machos e 35% fêmeas, das raças Angus e Hereford, na maioria. Cada exemplar pesa 480 kg em média.
Estão interditados todos os trabalhos do setor de atordoamento; mesa de evisceração; plataforma de elevação com o posto de trabalho da serra de carcaça; centrífuga de língua, carne picada e nervos; todas as centrífugas do setor de bucharia suja e da sala de resíduos; máquinas embaladoras de paletes, marca Reypel - aplicadores de filmes Strech - do setor de congelados e do setor de expedição; máquina picadora de charque (cubertadeira), marca Ibrasmak, no setor de charque; elevador de carga do setor de costelas; estufa do setor de charque; centrífuga de peró no setor de triparia; serras fita dos setores de bucharia suja, costela e desossa; setor de abate - trabalho nas plataformas com risco de queda para os trabalhadores; setor de expedição de pendurados (setor de tendal); setor de sala de corte (quartejo); setores de câmaras de resfriados, câmaras de congelamento e expedição caixaria; e setor de desossa.
Clique aqui para acessar o termo de interdição e o relatório técnico.
O frigorífico é o maior empregador em Santa Maria. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de fevereiro, são 762 trabalhadores. Eles cumprem jornada de 8h48min diárias, de segunda a sexta-feira. A jornada incluí três pausas de 20min (60min no total) ao final de cada 1h40min de trabalho, atendendo à Norma Regulamentadora (NR) 36, do MTE, e excluí intervalo de 1h20min para almoço ou janta. O salário inicial bruto nos primeiros 90 dias (contrato de experiência) é de R$ 905,00. Após, é de R$ 950,00. Incluindo benefícios, como insalubridade (na maioria dos casos de 20%) e 20min extras por dia para troca (10min) e destroca (mais 10min) de roupa, a remuneração atinge R$ 1.300,00. Com os descontos, incluindo a alimentação, o salário líquido fica em torno de R$ 1.000,00. O trabalhador que entrar às 8h, por exemplo, deve fazê-lo já com o uniforme. Sua saída se dará às 18h08min, momento que poderá tirar o uniforme.
Chegada da força-tarefa, no início da manhã do primeiro dia (17), na planta localizada na BR 392, Km 8, bairro Passo das Tropas
Integrantes
A força-tarefa teve participação de 32 integrantes. Pelo MPT, estiveram três: procuradores do Trabalho: Ricardo Garcia (coordenador estadual do Projeto do MPT de Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos e lotado em Caxias do Sul), Evandro Paulo Brizzi (responsável pelo processo e lotado em Santa Maria) e Eduardo Trajano Cesar dos Santos (lotado em Uruguaiana). O projeto visa à redução das doenças profissionais e do trabalho, identificando os problemas e adotando medidas extrajudiciais e judiciais. Pelo MTE, participaram oito auditores-fiscais do Trabalho: Mauro Marques Müller (coordenador estadual do Projeto Frigoríficos do MTE), Marcelo Naegele (chefe da fiscalização da gerência regional passo-fundense) e Áurea Machado de Macedo (lotados em Passo Fundo), Patrícia Sirtoli Pegorini e Ricardo Luis Brand (lotados em Caxias do Sul), Cezar Araújo da Rosa (chefe da fiscalização da gerência regional em Santa Maria), Marcio Rui Cantos (lotado em Pelotas) e Fabiano Rizzo Carvalho (lotado em Santo Ângelo). O grupo foi assessorado pela fisioterapeuta Carine Taís Guagnini Benedet (de Caxias do Sul), pelo ergonomista e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Diogo Cunha dos Reis (de Florianópolis - SC) e pelo jornalista Flávio Wornicov Portela (chefe da Assessoria de Comunicação do MPT-RS).
A ação também foi acompanhada pelo movimento sindical. Estiveram presentes o coordenador político da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins para a região Sul (CNTA-Sul), Darci Pires da Rocha; dois dirigentes da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação do Rio Grande do Sul (FTIA/RS), respectivamente Valdemir Moreira Corrêa (presidente) e Dori Nei Scortegagna (secretário-geral); e três representantes do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias e Cooperativas da Alimentação de Santa Maria e Região (Sintical), Rogerio Aguirre da Rosa (secretário-geral), Gilmar Francisco Veroni Paim (secretário de finanças) e Joice Mesquita da Silva (secretária de saúde do trabalhador).
Entre os parceiros, pela Fundacentro participou a tecnicista Maria Muccillo, representante da Comissão Nacional Tripartite Temática (CNTT) da NR-36. Pelo CREA, participaram cinco profissionais: o gestor de fiscalização Marino José Greco, os agentes fiscais Alessandra Maria Borges (supervisora de fiscalização da Inspetoria de Caxias do Sul), Marcelo Fontoura e Luiz Batista (da Inspetoria de Santa Maria), acompanhados da jornalista Luciana Almeida Patela. Pelo Cerest, estiveram mais seis servidores: coordenadora Carla Cristina Haas Centurião, Laís Sari (fisioterapeuta), João Carlos Veronese Rodrigues e Rosa Maria Calaib Wolf (médico), Sueli Barrios Chaves (enfermeira) e Carolina Gaspar Enderle (técnica em segurança do trabalho).
Trabalhadores em ação na sangria, na esfola do traseiro e na mesa de inspeção
Trabalhadores
Para a CNTA, "a força-tarefa é importante, porque ressalta o que a Confederação já havia constatado através de uma pesquisa (Tecendo Estratégias Integradas de Ação em Saúde - TEIAS), em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O documento aponta o conjunto sinistro que leva os trabalhadores ao adoecimento. As doenças estão relacionadas às extensas jornadas de trabalho, ao rítmo elevado de produção, em que a máquina determina a velocidade da execução das tarefas, num ambiente frio, aos pisos escorregadios e à pressão da chefia para cumprimento de metas".
A FTIA/RS e o Sintical "consideram de extrema importância a participação neste trabalho, pois é através dele que podemos estar junto aos trabalhadores, em seu local de trabalho, conhecendo a realidade do chão de fábrica. Os problemas elencados no setor de frigorífico bovino se mostraram ainda mais preocupantes do que o setor avícola, pois ficou evidente que, além dos movimentos repetitivos, a atividade se torna mais penosa pela necessidade do uso da força física e tendo como agravante posturas totalmente inadequadas pela exigência da atividade. A oportunidade de ver o processo de industrialização e ouvir os trabalhadores no local de trabalho são fundamentais para que o sindicato tenha ainda mais legitimidade em suas reivindicações junto ao empregador". Segundo o estudo, 74% dos trabalhadores trabalham o tempo todo em pé, 44% chegam em casa relatando dorese nível de cansaço insuportável.
Clique aqui para acessar o relatório da FTIA/RS.
Trabalhadores em ação tirando o couro da cabeça, examinando os õrgãos internos e na sala de abate
Parceiros
Para a Fundacentro, existem severos equívocos em relação à segurança do trabalho, originados pela concepção errônea no modo de produção nos ambientes de trabalho, cujas correções vão das mais simples às mais complexas, com implantação à curto, médio e longo prazo. São necessárias, também, medidas ugentes no sistema de gerenciamento de riscos de ordem administrativa, organizacional e operacional para o cumprimenro das Normas Regulamentadores (NRs) e, com isto, a efeticação do controle de perdas e a eficiência da garantia dos direitos e deveres da empresa e seus trabalhadores. "O que sustenta um dispositivo legal e sua aplicação é o conhecimento que lhe serviu de referência e não uma disputa de poder entre as partes envolvidas", explica Maria Muccillo.
O CREA fiscalizou profissionais, empresas e quadro técnico funcional presentes em atividades técnicas que fazem parte da legislação e normativas que envolvem as Câmaras Especializadas de Engenharia Química, Industrial, Elétrica, Civil e de Segurança do Trabalho. Do trabalho, resultou o preenchimento de um Relatório de Fiscalização de Engenharia Química (RFEQ), um Termo de Requisição de Documentos e Providêcias (TRDP) solicitando registro da empresa, dois Termos de Requisição de documentos solicitando registro de profissional, três TRDPs solicitando ART de cargo e função aos profissionais, três TRDPs solicitando a regularização do salário mínimo profissional, oito TRDPs por falta de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), um TRDP para empresa atuando com registro cancelado, quatro TRDPs para empresas prestadoras de serviços sem registro no CREA-RS. Para o atendimento destas solicitações, foi dado prazo de 10 dias à empresa.
Os números apresentados são parciais, pois após analise da documentação apresentada poderão ser realizadas novas fiscalizações na empresa ou a terceirizados responsáveis pelos serviços.
Segundo o Cerest, os dados relativos à saúde do trabalhador estão distribuídos em cinco setores diferentes, localizados fora e dentro do frigorífico e não são compartilhados, impedindo seu cuidado efetivo. O trabalho realizado pelo Cerest, por amostragem, de pesquisa de todas as informações registradas sobre determinado trabalhador, permitiu identificar apenas a evolução da doença, seja através do aumento da perda auditiva ou do registro de atestados. Após a avaliação do processo de cuidado à saúde do trabalhador, o órgão constatou que o modelo de organização e funcionamento dos serviços responsáveis pela saúde dos trabalhadores atendem aos interesses da produção, em detrimento da saúde dessa população.
Órgãos reúnem-se na tarde do terceiro dia (19), no CREA, para trocarem informações sobre atuação
Histórico
Entre janeiro de 2014 e janeiro de 2015, a força-tarefa realizou dez ações nos frigoríficos avícolas gaúchos. As quatro primeiras, a oitava e a nona operações (21 de janeiro – Companhia Minuano de Alimentos, em Passo Fundo; 18 a 19 de fevereiro – JBS Aves Ltda., em Montenegro; 23 a 25 de abril – BRF S. A., em Lajeado; 10 a 12 de junho – Agrosul Agroavícola Industrial S. A., em São Sebastião do Caí; 16 a 18 de setembro – Nova Araçá Ltda., em Nova Araçá; e 16 a 18 de dezembro – JBS Aves Ltda, em Passo Fundo) resultaram nas primeiras interdições ergonômicas em frigoríficos na história brasileira. Como consequência, foi diminuído o excessivo ritmo de trabalho exigido pelas plantas. As empresas acataram as determinações e solucionaram os problemas, removendo em poucos dias as causas das interdições.
Da quinta à sétima e a décima inspeção (15 a 18 de julho – BRF S. A., em Marau; 30 a 31 de julho – JBS Aves Ltda, em Garibaldi; 26 a 28 de agosto – Cooperativa Languiru, em Wesfália; e 20 a 23 de janeiro – Companhia Minuano de Alimentos, em Lajeado), os frigoríficos assumiram compromissos de reduzir o ritmo de trabalho nas suas linhas de produção. As interdições de máquinas e atividades, entretanto, não interromperam o funcionamento das indústrias.
Em 12 de agosto, a JBS montenegrina foi a primeira fábrica a firmar acordo perante o MPT em Santa Cruz do Sul, comprometendo-se a observar 15 medidas, entre elas, desenvolver programa de melhorias do ambiente de trabalho. Em 2 de outubro, foi a vez da Agrosul assinar pacto, perante o MPT em Novo Hamburgo, comprometendo-se a adequar e aperfeiçoar as práticas de gestão de risco e prevenção de acidentes e doenças ocupacionais e preservação da saúde de todos os seus empregados.
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Texto e fotos: Flávio Wornicov Portela (reg. prof. MTE/RS 6132) enviado especial
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