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Coordenadoria nacional do MPT conhece projeto pioneiro de aprendizagem no sistema prisional na Capital

Projeto da Susepe é considerado modelar, por formalizar o trabalho do apenado e do paciente que cumpre medida de segurança

     O trabalho remunerado do preso é ainda pouco difundido no Brasil. A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210), de 1984, estabelece que o trabalho do apenado não se submete às regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Mesmo com os direitos concedidos pela Constituição de 1988, o trabalho formalizado dos presos é uma exceção no sistema, que não conta com uma política nacional. A laborterapia, que tem o objetivo de auxiliar na ressocialização do preso, é aproveitada no país majoritariamente pelo próprio sistema penitenciário, em serviços de manutenção predial, limpeza e cozinha, ou em projetos elaborados localmente pelas administrações penitenciárias, sendo em muitos casos o exercício de atividades de artesania. Raramente têm contrapartida remuneratória e previdenciária. 

     Membros da Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública (Conap), do MPT, conheceram em dezembro uma iniciativa que aumenta as opções de laborterapia no sistema prisional, oferecendo uma solução prática e simples para a formalização deste trabalho. O grupo visitou duas unidades administradas pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, que desenvolvem o Programa Jovem Aprendiz voltado a apenados e a pacientes cumpridores de medida de segurança.

     Iniciado em junho de 2014 no presídio central de Porto Alegre e no fim do mesmo mês no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), o programa é realizado em parceria com empresas, que formalmente contratam os internos como aprendizes, e com instituições de ensino, que ministram a parte educativa do programa, obedecendo em tudo o disposto na Lei 10.097/2000, regulamentada pelo Decreto nº. 5.598/2005. Ao longo de aproximadamente 13 meses, os participantes obtêm formação profissional reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC) e a remuneração pelas horas, baseado no piso salarial regional, tanto pelo tempo em aula quanto pelo tempo em atividades práticas, que compõem a formação do aprendiz.

     As duas primeiras turmas, que devem ser concluídas em julho de 2015, formarão profissionais comerciais em serviços de vendas. A instituição de ensino responsável é o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Uma segunda turma foi iniciada no IPF em fevereiro, e formará apontadores de mão de obra, para a indústria da construção civil, em parceria com a Rede Nacional de Aprendizagem, Promoção Social e Integração (Renapsi).

     A Conap, através de grupo de trabalho instituído em 2014 e coordenado pelo procurador do Trabalho Ruy Fernando Gomes Leme Cavalheiro (MPT-SP), vice-coordenador da Conap, visitou unidades prisionais no Maranhão, em Minas Gerais, em Santa Catarina e no Distrito Federal, para conhecer a realidade do trabalho do preso no Brasil, entre outros aspectos do trabalho no sistema prisional. A solução encontrada no Rio Grande do Sul, avalia o procurador do Trabalho Rômulo Barreto de Almeida (MPT-BA), coordenador nacional da Conap, é pioneira. "O ponto positivo observado é que a aprendizagem das unidades visitadas segue integralmente a prescrição legal; mesmo presa, a pessoa tem carteira assinada e são recolhidos todos os encargos sociais", explica o procurador. Além dos direitos trabalhistas e da qualificação profissional, o participante obtém um dia de remissão da pena ou medida de segurança a cada três dias, ou 12 horas, de atividades completadas.

     Os membros da Conap veem o projeto como uma experiência inovadora, que pode estimular soluções semelhantes em outros Estados, de modo a ofertar trabalho legal e formalizado aos detentos. Além dos membros da Conap, participaram da visita o coordenador nacional da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat), Philippe Gomes Jardim (MPT-RS), e o procurador-chefe do MPT-RS, Fabiano Holz Beserra.

 

Participantes da segunda turma de aprendizagem do IPF, iniciada em fevereiro, durante aula inaugural
Participantes da segunda turma de aprendizagem do IPF, iniciada em fevereiro, durante aula inaugural

Laborterapia

     A iniciativa se soma a outras formas de laborterapia remunerada, encontradas pela Conap em outras unidades da federação. A organização delas se dá geralmente através de oficinas, instaladas como resultado de parceria da unidade prisional com empresas locais. "Em Joinville, por exemplo, o Presídio Industrial da cidade tem 12 oficinas de empresas externas, voltadas a pequenos reparos, pintura e ensacamento de peças", explica o procurador Ruy Cavalheiro. "Em outras unidades, há ateliês de costura, e o produto deles é revertido também em benefício dos apenados".

     Cada Estado interpreta a Lei de Execução Penal de um modo e, se entende que o trabalho do preso é permitido, desenvolve projetos localmente. "Boa parte dos Estados simplesmente não operacionaliza o trabalho do preso. Em alguns outros, em que há o trabalho, ele não é formalizado, ao passo que o formalizado é a exceção. É todo um universo do trabalho de que precisamos cuidar", afirma o procurador.

     De acordo com ele, o caso da Susepe-RS não apenas comprova que a formalização do vínculo e a observância da remuneração é possível, como apresenta um modelo replicável, organizado em torno da aprendizagem profissional, que combina a qualificação profissional à prestação do trabalho. Ao final do contrato especial de aprendizagem, o participante terá certificação e a anotação na carteira, títulos que serão reconhecidos posteriormente pela Previdência Social e pelo mercado de trabalho. Outro motivo para a regulamentação do trabalho do apenado, ainda de acordo com o procurador Ruy, é a proteção das economias locais. "Pode haver um impacto negativo para uma cidade pequena, em que uma empresa adota o trabalho do preso, que, por não ter Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), não ser sindicalizado, não ter o pagamento das parcelas trabalhistas e previdenciárias, se tornaria mais lucrativa que o trabalho remunerado comum", explica. 

Turmas

     As turmas, tanto no Presídio Central quanto no IPF, realizam a parte prática da aprendizagem em oficinas adaptadas dentro das próprias unidades, dado o regime fechado das penas e medidas de segurança dos participantes. Mas, por definição, o projeto pode aceitar também participantes em regime aberto ou semiaberto.

     As primeiras turmas, de 2014, iniciaram com 30 aprendizes. A segunda turma do IPF iniciou com 13 novos aprendizes. A carga horária é de 1.110 horas/aula e acontece nas manhãs de segunda à sexta-feira. A remuneração, proporcional às 4 horas de atividades diárias, é de meio piso salarial regional, R$ 503,44 (em fevereiro de 2015).

     “Tenho microempresa de carvão vegetal e de móveis, e preciso saber me comunicar mais com meus clientes", nos conta, no intervalo de uma aula, J.N. F., 37 anos, que cumpre medida de segurança no IPF. Ele é um dos estudantes da turma de formação de assistentes de vendas. Já trabalhou, antes de ingressar no IPF, nos ramos de serviços e comércio, em funções como embalador e vigia. "É sempre bom se atualizar e aqui estamos agregando mais valor”, explica ele. Sua microempresa encontra-se parada, devido à sua internação. Além de participar do programa de aprendizagem, ele também contribui eventualmente com a manutenção predial do IPF. O pagamento é de R$ 50 por semana. O auxílio que recebe do programa de aprendizagem é depositado em conta pela empresa que os contrata. Por padrão, o valor seria apenas acessível após a conclusão do curso, mas o IPF liberou o cartão da conta para o controle de cônjuges. No caso de J., sua esposa e dois filhos usam o valor e podem complementar a renda.

     Segundo o procurador Philippe Gomes Jardim, da Codemat, o projeto evidencia uma onda de ação positiva por parte dos agentes públicos responsáveis e empresas que poderia tornar central o debate quanto às condições dos próprios presídios. "O apenado é capacitado teoricamente com as aulas de aprendizagem e, quando sair da prisão, terá um diferencial que lhe permitirá entrar no mercado de trabalho com a cabeça erguida. Pode ser a única resposta que ele tenha para não retornar à criminalidade”. Quanto às condições de trabalho nos presídios, avalia o coordenador, estas não são as ideais e isso se reflete no tratamento que o Estado fornece aos apenados: "em geral, as cadeias públicas estão em condições deploráveis de infraestrutura, e isto atinge tanto os apenados como os responsáveis pelo sistema de guarda e segurança", sintetiza ele. 

Profissionalização

     Em sua grande maioria, o preso está desempregado antes de ingressar no sistema. Para muitas pessoas, como a Conap pôde observar em Porto Alegre, o trabalho com registro na prisão é a primeira anotação em carteira realizada na vida. Tanto que uma parcela muito pequena de seus dependentes recebe o auxílio-reclusão.

     De acordo com o Relatório Estatístico do Sistema Prisional, de dezembro de 2012, 28% dos 548 mil detentos brasileiros são jovens entre 18 e 24 anos, faixa etária abrangida pela aprendizagem profissional, que pode ser feita dos 14 aos 24. A maior parte (80%) deles não completou o Ensino Médio. Além disso, os sujeitos a medidas de segurança, portadores de deficiência mental, e dispensados do limite etário de 24 anos, equivalem a 8.000 indivíduos, o que corresponde a mais 1,6% da população total de internos. A quantidade de pessoas que pode ser beneficiada com a ideia é enorme.

     No Estado, explica a auditora-fiscal do Trabalho Denise Brambilla González, idealizadora do projeto, o percentual de apenados na faixa de abrangência da aprendizagem é ainda maior. “O projeto foi pensado a partir de visita do Conselho Penitenciário do Estado, que buscava formas de reencaminhar os presos ao mundo social e do trabalho”, explica ela. “Propomos a aprendizagem baseados na experiência positiva que tivemos na Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase), antiga Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (Febem), com menores de 18 e maiores de 14 anos. São cerca de 500 crianças contratadas, na Capital e no Interior do Estado, inclusive com apoio do MPT, que destinou, em diversas ocasiões, indenizações provenientes de termos de ajuste de conduta (TACs) à Fase”. Com os valores, foram construídas salas de aula e oficinas. De acordo com Denise, o objetivo é dar força ao projeto nas penitenciárias após o teste com as primeiras turmas na Capital. Já em 2015, ela lembra, poderão ser abertas turmas como as de auxiliar de cozinha no presídio central, após a reforma da cozinha industrial do complexo, em decorrência de acordo judicial celebrado em ação civil pública (ACP) pelo procurador do Trabalho Paulo Joarês Vieira (MPT-RS). As obras devem ser concluídas ainda no primeiro semestre. “É uma experiência altamente exitosa, especialmente no IPF, onde não há limite de idade para a contratação dos pacientes, que têm deficiência mental”, avalia a auditora-fiscal. O projeto realizado na Fase, de acordo com González, já é atualmente replicado no Distrito Federal, por iniciativa da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) local.

     Quanto ao sucesso das turmas iniciais na Susepe, a auditora o atribui à chance dada pelo programa e à vontade dos participantes. “Houve uma grande melhora inclusive na postura deles. No IPF, eles ganharam roupas da empresa que os contratou. Vão arrumados e cumprem religiosamente as 4 horas diárias da carga horária. Oportunidade é, de fato, aquilo de que se precisa”.

Requisitos

     Na elaboração do projeto, foi considerada a carga horária reduzida, que permite a frequência dos apenados e pacientes a aulas do ensino supletivo regular. O projeto também flexibilizou os requisitos de formação escolar. Podem participar aqueles com capacidade de leitura e interpretação textual. De acordo com a assistente social Rosane Lazzarotto Garcez, uma das coordenadoras do projeto Jovem Aprendiz na Susepe-RS, a seleção dos participantes é feita com base em levantamentos demográficos para encontrar aqueles com o perfil do programa. "A partir disso, são realizadas entrevistas com os apenados, sensibilizações, regularização de documentação, a fim de verificar o interesse e possibilidade de cada um participar", resume ela. Parceria realizada com a Receita Federal e outros órgãos do Estado permitiram a confecção da segunda via de Certidões de Nascimento, CPF, Carteiras de Identidade e Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPSs) para permitir o registro profissional dos aprendizes.

     A maior parte dos participantes do Presídio Central completaram o Ensino Fundamental ou têm o Ensino Médio incompleto. As instituições escolares decidiram que era possível participar do projeto caso houvesse capacidade do candidato, mesmo sem a escolaridade correspondente. Isto foi observado em especial com os participantes mais velhos, no IPF. A participação no programa, deste modo, não impede que o aprendiz continue a estudar, em outro período do dia, e obtenha também a certificação escolar formal, em um dos 15 núcleos escolares no Estado. É possível, dependendo de decisão judicial, que sejam remidos os dois períodos, o de aprendizagem e o de supletivo, cumulativamente.

     O contrato de aprendizagem é um contrato especial, previsto na CLT que abrange tempo determinado, de no máximo dois anos, e prevê remuneração, inclusive parcelas como o 13º salário. Os beneficiários são contratados como aprendizes de algum ofício previsto na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

     A carga horária estabelecida no contrato soma o tempo necessário à vivência das práticas do trabalho, além de atividades que estimulam o aprendiz a desenvolver autoestima, criatividade, cidadania, responsabilidade e ética. Todas as empresas de médio e grande porte no País devem contratar aprendizes. A cota fixada pela Lei é de no mínimo 5% e no máximo 15% do total de empregados cujas funções demandem formação profissional. Além de cumprirem o que determina a legislação, as empresas têm a consciência de sua responsabilidade social e também abrem a possibilidade de futuramente admitirem estes jovens como empregados efetivos.

     A Susepe prevê a extensão do projeto, nos próximos anos, para unidades em Osório, Santa Maria, Ijuí, Jacuí e Rio Grande.

Parceria com o MPT

     Os projetos de aprendizagem na Susepe e na Fase não seriam possíveis sem a parceria do MPT-RS. Salas de aula e oficinas dos projetos foram feitas com destinações de valores provenientes de TACs e ACPs do MPT-RS. “As destinações são invariavelmente feitas com o propósito de promover a emancipação de pessoas em situação de vulnerabilidade social”, explica o procurador-chefe do MPT-RS, Fabiano Holz Beserra. “Nossa experiência diz que o adolescente que passou pela aprendizagem não se submeterá, na vida adulta, a formas degradantes de trabalho e, em especial, ao trabalho escravo contemporâneo. Além disso, é particularmente importante para a inserção de pessoas vulneráveis, marginalizadas no mercado de trabalho, como as pessoas com deficiência ou que vivem em situação de miséria”.

     O MPT-RS também contribuiu com destinações para espaços da Fase utilizados para a aprendizagem, como em Caxias do Sul, com destinação de TAC celebrados pelo procurador do Trabalho Rodrigo Maffei. É um dos 12 projetos da Fase apoiados pelo MPT-RS em 2014, totalizando R$ 1.130.546,91.

Leia mais sobre os projetos apoiados em http://migre.me/oR5k9.

Leia mais:

14/5/2014 - MPT destina R$ 1.130.546,91 a projetos socioeducacionais da Fase

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Tags: Março

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