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Ministério Público do Trabalho realiza seminário de qualificação para a rede de atendimento a trabalhadores resgatados

Encontro realizado na tarde de 17/3 foi a primeira etapa de um projeto estratégico alinhado com o Estado e com os municípios para ampliar o número de pessoas qualificadas ao encaminhamento dos resgatados em situações análogas à escravidão ou de tráfico de pessoas 

    O Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) realizou, na tarde da quinta-feira, dia 17/3, a primeira edição do Seminário Intermunicipal de Capacitação da Rede de Atendimento às Vítimas Resgatadas na Condição de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas. O encontro teve lugar na sede da Federação Espírita do Rio Grande do Sul (FERGS), na Travessa Azevedo, 88, em Porto Alegre, com a participação de uma centena de pessoas com atuação em ramos da assistência social em oito cidades e em suas regiões imediatas: Porto Alegre, Caxias do Sul, Novo Hamburgo, Passo Fundo, Pelotas, Vacaria, Venâncio Aires e Viamão. Os participantes receberam orientações e informações sobre o combate ao trabalho análogo à escravidão e ao tráfico de pessoas e sobre como aperfeiçoar a estrutura de atendimento a trabalhadores resgatados em operações de fiscalização.

     A mesa inicial, mediada pelo procurador do trabalho Lucas Santos Fernandes, coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete), foi aberta com a presença do procurador-chefe do MPT-RS, Rafael Foresti Pego; da Secretária Estadual da Igualdade, Cidadania, Direitos Humanos e Assistência Social, Regina Becker; do Secretário de Desenvolvimento Social do município de Porto Alegre, Léo Voigt, que também foi um dos painelistas do seminário; e do presidente da entidade anfitriã Federação Espírita do Rio Grande do Sul (FERGS), Antonio Nascimento.

     Ao saudar os participantes, Lucas Santos Fernandes chamou a atenção para a importância e a urgência de qualificar o atendimento aos resgatados e investir em um plano de encaminhamento para o pós-resgate.

     "O encaminhamento é o calcanhar de Aquiles da rede de combate ao trabalho escravo. A pandemia não interrompeu o trabalho dessa rede, pelo contrário, o número de resgates até aumentou, mas nós temos que pensar de modo coordenado esse encaminhamento. Quando você resgata uma pessoa daquela condição, o que se faz depois? Você precisa ter um plano, ter um projeto para que ela seja acolhida, e esta é uma oportunidade para conversarmos e trocar ideias nessa direção", comentou o procurador Lucas Santos Fernandes na abertura do evento.

     Antonio Nascimento, presidente da FERGS, fez uma breve saudação alinhando a instituição aos esforços de combate à exploração humana e pondo o espaço da entidade à disposição para outros encontros do mesmo tipo.

     Ao tomar a palavra, o secretário Léo Voight ressaltou que havia comparecido ao seminário mesmo havendo outro evento em sua secretaria no mesmo horário. De acordo com ele, a prioridade ao MPT era a prova da boa relação entre ambas as instituições.

     "O MPT-RS vem sendo um importante parceiro estratégico para a elaboração das políticas públicas e para ajudar o executivo a implementá-las. Quando há uma denúncia de trabalho escravo, somos às vezes tomados de surpresa de que algo assim ainda possa ocorrer. Assim, este seminário é uma grande oportunidade de troca de informações, de conhecermos uma realidade que ainda nos choca", comentou.

     Regina Becker, titular da Secretaria Estadual de Igualdade, Cidadania, Direitos Humanos e Assistência Social, começou sua fala lembrando de dois depoimentos a que assistiu em um congresso sobre exploração humana realizado no Vaticano em 2016, o de duas jovens exploradas em trabalho escravo, uma delas sexualmente.

     "Ouvir aqueles relatos foi doloroso. Uma das questões mais importantes do combate é justamente como acolher alguém que passa por experiências tão traumáticas" – comentou a secretária.

     Ao encerrar a solenidade de abertura, o procurador-chefe do MPT-RS Rafael Foresti Pego louvou o fato de estar sendo realizado, após tanto tempo, um evento presencial, uma vez que a interação online, embora eficiente, é mais fria do que o assunto exige. Ele também ressaltou a importância do tema na atuação do MPT-RS

     "Entre os objetos de nossa atuação, o do combate ao trabalho análogo à escravidão é certamente um dos mais importantes. Essa é uma chaga que precisa ser erradicada, porque só assim se poderá falar em desenvolvimento social e mesmo em desenvolvimento econômico. Porque quem explora o trabalhador com esse tipo de crime não apenas degrada a relação humana do trabalho ou a dignidade do trabalhador, mas o próprio sistema econômico", afirmou o procurador-chefe.

     OPERAÇÕES

    O seminário teve prosseguimento com a participação da auditora-fiscal do trabalho Lucilene Pacini, que coordenou várias ações fiscais recentes que resultaram em resgates de trabalhadores. Ela conceituou o que seria a escravidão contemporânea e apresentou algumas das definições em que as situações encontradas podem ser enquadradas pela ação dos fiscais.

     "Diferentemente da escravidão clássica, em que a vítima era considerada propriedade, a escravidão contemporânea considera as vítimas descartáveis, o que se reflete na forma como elas são tratadas: condições de alojamento degradantes, jornadas exaustivas, exploração constante porque as pessoas aliciadas podem ser substituídas ", comentou.

     Ela também fez o relato de algumas operações recentes de grande impacto, a mais recente a de uma mulher mantida em condição doméstica degradante em Campo Bom, e compartilhou uma experiência pessoal, a de que a maioria das pessoas leigas com quem fala sobre o tema no Rio Grande do Sul não considera a questão um problema presente no Estado, acreditando que a exploração do trabalho se dá apenas em áreas rurais de regiões remotas do país.

     "Uma das coisas que é preciso esclarecer é que o perfil das vítimas é variado. Pode haver casos no meio rural envolvendo adolescentes e casos no meio urbano com pessoas idosas, ou o contrário. Cada caso é diferente".

     O seminário teve ainda um debate entre Reginete Bispo, cofundadora do Instituto Akanni e suplente do senador Paulo Paim, e Iurqui Pinheiro, responsável pela coordenação do escritório da Organização Internacional para Migrações no Rio Grande do Sul, sobre migrações e trabalho escravo – migrantes muitas vezes estão em situação vulnerável e acabam aliciados com falsas promessas. Na mesa seguinte, o secretário Léo Voight, Ana Maria Almeida Duarte, representante da Secretaria Estadual de Igualdade, Cidadania, Direitos Humanos e Assistência Social, e Bibiana Waquil Campana, que representava a Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE/RS), fizeram um painel sobre o papel do Estado e dos municípios no atendimento aos resgatados.

     PROJETO

     Este seminário foi apenas o primeiro de um projeto mais amplo, voltado para a qualificação da rede de atendimento, uma parceria entre o MPT-RS, o Estado e o município de Porto Alegre como anfitrião. O encontro recebeu quase uma centena de participantes, operadores das redes de políticas de assistência social. Uma delas, Lubianca Gomes, atuante no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) Restinga e Extremo Sul, em Porto Alegre, comentou que sua principal expectativa era justamente obter informações para compreender o problema e poder atuar da melhor forma se um dia for confrontada com um caso semelhante. Outra das participantes, Rosângela Ramos, conselheira tutelar de Vacaria, já precisou enfrentar um caso complexo envolvendo uma criança de etnia indígena, e esperava receber no seminário mais dados sobre como lidar também com as diferenças culturais que às vezes se apresentam em situações do tipo.

      O evento representou a primeira etapa de um projeto estratégico mais amplo de capacitação técnica de um número maior de pessoas da rede para realizar o atendimento às vítimas de exploração laboral, tanto em serviços rurais quanto urbanos. O projeto foi idealizado pela Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete) do MPT, e é resultado de um protocolo assinado no fim de janeiro entre o procurador Lucas Santos Fernandes, os secretários Léo Voigt, Regina Becker e Mauro Hauschild, Secretário Estadual de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo.

     A escolha dos municípios contemplados nesta primeira fase foi feita com base em múltiplos fatores: alguns foram selecionados por haverem registrado resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão nos últimos cinco anos; outros foram escolhidos por serem polos regionais de afluxo de migrantes ou por terem posição de destaque em determinadas regiões devido às atividades econômicas.

Texto: Carlos André Moreira (reg. prof. MT/RS 8553)
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